Compartilhando o significado de ter um carro antigo... ou mais de um!

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Auto socorro na Alemanha - experiência prática com o Frank (ou "a revolta da autopeça proletária por melhores condições de trabalho).

Para decepção de minha querida esposa, eu gosto e sempre gostei de colecionar coisas sobre automóveis, entre elas revistas, catálogos e placas. Com isso, comprei um pacote com diversas revistas de automóvel publicadas na Alemanha Oriental no fim dos anos 60 e início dos anos 70 - e esta capa me chamou a atenção. Um simpático Wartburg azul "de boca aberta", com a proprietária senda auxiliado por um camadara da "Volkspolizei". Foto estranha e curiosa, quase que uma anti-propaganda, pois é como se hoje a revista Quatro Rodas colocasse na capa um VW Jetta novo sendo rebocado. Mas, os tempos eram outros e reconhecia-se que os carros davam seus problemas de vez em quando. 

E daí, numa manhã de tempo encoberto, peguei o Frank para mais um dia de trabalho. Nada demais até aí. As pessoas olhavam, ele seguia e até o fôlego do motor parecia melhor do que antes. E assim seguia numa das faixas do meio, a 110 Km/h indicados no velocímetro, até que próximo a saída para o trecho urbano próximo ao trabalho o ruído do motor cessou como se lhe houvessem calado. Dou ignição uma vez, nada. Vou dando seta para a direita para ir ao acostamento, e tentando, e nada do motor reagir. Parado no acostamento, tentei mais algumas vezes e pensei nos meus cálculos de autonomia - o marcador de combustível, como membro do proletariado deste veículo socialista, estava de greve e decidira não funcionar desde quando eu o peguei, PORÉM fui surpreendido ao saber que ele havia entrado em conluio com o tanque, promovendo um piquete contra a entrada de combustível e me ludibriando ao colocar 25 litros de gasolina e óleo 2 tempos, achando que já havia mais de 20 litros de combustível. Liguei para o seguro para pedir socorro, e descubro que não havia contratado essa cobertura... e também que não poderia contratá-la pelo telefone naquele momento. Daí a pessoa me passa o telefone da ADAC, que é a maior empresa de autosocorro daqui da região. 
Parado no acostamento da A100, esperando o socorro. À direita do painel, o marcador de combustível que seguia em greve e comemorava o sucesso do piquete.
E lá vamos nós, antes de telefonar para a ADAC, estrear o triângulo do carro e colocá-lo há alguns metros para sinalizar que estávamos lá por problemas mecânicos, e não para sermos modelos fotográficos. Liguei para a ADAC e fui tentando falar com os atendentes, com tudo que o meu pouco mas valente conhecimento de alemão permitia; em alguns minutos, nos entendemos, localizamos onde o carro estava, e daí vem a facada: o resgate custaria 150 Euros. Isso é quase o mesmo valor que eu pago de seguro anual do carro!!! Mas não havia alternativa, e sabendo que o posto de combustível mais próximo ficava há uns 5 Km sem possibilidade de ir a pé, aceitei. Ponderei entre aguardar dentro do carro me arriscar a morrer numa colisão vinda de um carro desgovernado levando Wartburg e eu para o além, ou então esperar fora do carro, depois do guard rail, e morrer congelado com o frio de 5 °C intensificado pelo vento da estrada que causava sensasão térmica de -7 °C, e escolhi o risco mais confortável, aguardando dentro do carro, vendo o marcador de combustível a rir da minha cara (acho que se ele tivesse braços, ele mostraria um cartaz "o carro unido jamais será vencido"!). 
Vendo o triângulo pelo retrovisor, esperando o resgate. 

E os carros passavam, enquanto eu esperava...
Nisso chegou um caminhãozinho laranja, do serviço da estrada, de onde desceram dois funcionários. O mais velho veio conversar comigo enquanto que o mais novo estava fotografando o Frank com o celular. Expliquei que já havia pedido o socorro e que a previsão era que chegassem em mais ou menos meia hora (e eu descobrindo que sabia mais palavras de alemão do que eu achava saber. Quase um Goethe), e então eles foram embora pois não havia mais o que fazer... sem antes o rapaz que fotografava pedir se ele podia tirar umas fotos da frente do carro. Havíamos sido promovidos a marcos rodoviários, ou a monumentos à insensatez veicular humana, ou ainda, a celebridades do posto de apoio daquela turma, que fotografaram um luso-brasileiro morador de Berlim, parado com seu Wartburg 1972 no acostamento. 

Eis que o Opel Zafira amarelo da ADAC chegou. O serviço foi rápido e o funcionário foi também tão atencioso quanto o que me atendeu ao telefone. Colocamos 5 litros de gasolina mais uns 100 ml de óleo 2 tempos no tanque, e depois de duas viradas no motor de arranque o motor pegou e funcionou como um gatinho... entrei num misto de irritação e grande alívio, e parecia ouvir o conluio "marcador + tanque" bradar "A LUTA CONTINUA / A LUTA CONTINUA ...". Fomos ao posto, completei com combustível e de novo, só consegui colocar 25 litros... além de completar o tanquinho do simpático funcionário da ADAC, que também ganhou uma história para contar. A "brincadeira" custou exatos 157,70 Euros, contanto o combustível do tanquinho da ADAC, além de ter me atrasado em 2 horas para o trabalho. 

Reabastecendo o Frank...
O salvador carro da ADAC.
Cheguei ao escritório, contei a peripércia aos colegas que deram aquela risadinha típica de quem não vê lógica em ter carro antigo - um deles, de Berlim Oriental nos tempos do muro disse pela quadragésima oitava vez que a "cota dele para carros da DDR chegara ao fim há muito tempo". Outro, de um outro escritório no mesmo andar, disse que me viu parado na estrada e queria saber o que aconteceu. Contei e ele falou que isso acontecia de vez em quando nesses carros. Pensei, sorrindo por fora e com raiva por dentro "1- por que esse infeliz não parou para ajudar??? 2- Ah, não diga que carros mais antigos de vez em quando dão problema no marcador de combustível...". Dias depois, meu amigo Stefan me presenteou com o manual do Wartburg um pouco mais antigo que o Frank, mas quase tudo igual. Agradeci imensamente, até mesmo quando ele insinuou que este me ajudaria caso houvessem outros problemas com o carro... 

Manual do Wartburg, deixado de presente na minha mesa no trabalho.
 Ah, pensaram que a história acabara por aí? Na semana seguinte, num lindo domingo de Sol, o Frank para de novo por falta de combustível, tendo andado menos de 150 Km após ter enchido o tanque. O carburador entrara também no esforço de greve e fez o consumo subir horrivelmente e também a fazer o carro falhar a ponto de ficar ruim demais de dirigir. Pronto, vitória do proletariado e reivindicação atendida - o Frank foi mandado para o mecânico para uma revisão geral. Não posso garantir, entretanto, que a boia, o marcador ou o carburador não acabem substituídos por outros que "cooperem mais com o patrão"... 
A seta indica que houve mais um capítulo desta história. 
Frank na oficina. E graças a um outro amigo, fui para casa num impressionante BMW M5. 



Um comentário:

  1. Deve ser sensacional a experiência de ter um clássico Wartburg! Gostei da história e vou acompanhar o blog! Saudações

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