Compartilhando o significado de ter um carro antigo... ou mais de um!

domingo, 20 de dezembro de 2020

O carro do pescador

Tenho um amigo cujo hobby é dar ideias de pouco juízo para mim, às quais gentilmente agradeço retribuindo com outras de igual prumo. Por sugestão dele, comprei num ferro-velho paranaense um inoperante fogão à lenha que me acompanha nesta estadia germânica, desviei uma viagem de férias para ver (e comprar) um Opel Ascona em Portugal para posterior envio ao Brasil, e mandei, junto com esse Ascona, o meu querido Eusébio (um Opel Rekord branco) para uma nova vida no Brasil. Em contrapartida, eu que acabei o estimulando a comprar o primeiro e depois o segundo Monza da coleção dele, e o aticei com diversos tipos de carros que existem aqui neste lado do planeta.

Dia desses, trocávamos mensagens de voz pelo WhatsApp (estranho hábito este, pois poderíamos simplesmente nos falar pelo telefone) e disse que gostaria de mandar o Willy, meu querido Trabant, um dia desses para o Brasil, em preparação ao nosso retorno ao Brasil, que ocorrerá mais cedo ou mais tarde. Como mandar dois carros é unitariamente mais barato que mandar um só, ficamos divagando sobre qual veículo antigo adquirir e fazer companhia nessa jornada, ao que veio a ideia de um VW Scirocco 53b. Entre a divagação e o fato, lá fui eu atiçar meu amigo com diversos anúncios. Entre eles, chamou a atenção o de um carro para restaurar, de uma série especial chamada Tropic, e que estava relativamente perto de onde moro.

Em tempos de pandemia, a hora foi marcada com maior antecedência que o de costume para os próprios alemães, e fui ver o carro uma semana depois. Ele estava estacionado na rua, empoeirado e com folhas ao redor, e enquanto o proprietário não chegava, fui vendo o que era possível. Pontos de ferrugem, uma leve colisão, pneus de inverno, mas todos os detalhes no lugar – coisas típicas para um carro que foi usado, mas não moído.  O proprietário chegou, e após abrir o carro, vi que o interior bem preservado apesar da sujeira; os bancos com sobrecapas imundas, mas que ajudam na preservação das capas; ao abrir o cofre do motor, um cenário semelhante – motor imundo, mas sem grandes adaptações. A tampa do cofre não mostrava salvação e uma troca se fazia necessária.















Corrosão aqui e acolá. sujeira... nada que comprometesse, mas sinais que o carro precisa de cuidados. 

Conversando com o proprietário, antes de dar uma volta com o carro, descubro que o carro era do tio dele, que falecera semanas antes, após ser mais um a perder a batalha contra um câncer.  Saímos para uma volta, e o trambulador gasto tornava a troca de marchas mais difícil, manhosa, mas ainda assim o Scirocco se comportara muito bem. E enquanto conversava, o vendedor falava sobre o carro e de algumas lembranças do finado tio, cujo prazer era a pescaria, principalmente os lagos ao redor da cidade – a região sul da Bavária é servida por diversos lagos, sendo que a das cidades ao oeste de Munique é conhecida como região dos Cinco Lagos (Wörthsee, Starnberger See, Ammersee, Pilsensee e Weßlinger See), o que revivia lembranças boas, mas ainda doloridas pela ausência. Disse que se lembrava, ainda adolescente, quando o tio aparecera com o carro em casa, com meros seis meses de uso e comprado de um funcionário da Volkswagen. Lembrou-se das viagens do tio, das histórias de pescaria, e inclusive da última vez, meses antes de falecer, que o tio levara o carro para uma nova inspeção (a HU/AU, ou TÜV).

Como era de se esperar, negócio fechado. Dias depois, ele me entregou o carro e junto, um pacote de documentos e recibos do carro, incluindo a nota fiscal dele e o livrete de revisões. Falei para ele que o carro será restaurado, e percebi que uma lágrima se formava num dos olhos, prontamente disfarçada por ele para seguir em frente. Ao se despedir de mim, ele apenas pediu que mandasse fotos do carro após a restauração, para assim ter o conforto que aquele objeto de metal, plásticos, borrachas e vidros, de fato tenha recebido uma nova vida e assim, as lembranças do velho pescador de Gauting tenham se mantido, ainda que alhures à Bavária. Abaixo, as fotos do dia da entrega.

Scirocco entregue. 

O proprietário, sobrinho do "pescador", assinando o recibo de compra e venda. 

Hoje, com uma tampa do cofre nova, sem as capas dos bancos (que confirmaram o ótimo estado do estofamento, a despeito das manchas) e um rádio mais próximo do original, ele repousa numa garagem, aguardando a data de uma longa viagem, que será o primeiro passo de sua restauração e integração a uma bela coleção de carros dos anos 80. Aguardemos. Ainda há muitas novidades a acontecer com este belo carro. 

Banco do motorista. Sujo, mas íntegro.

Banco traseiro parece novo.

Tampa semi-nova

Adriana, muito feliz em me ajudar a trocar a tampa do carro

Scirocco já com a tampa no lugar
Missão cumprida, com visual que marca o ano de 2020.



 

 

 

 

Starnberger See Ammersee Wörthsee Pilsensee Weßlinger See (fuenfseenland.de)

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