Compartilhando o significado de ter um carro antigo... ou mais de um!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Cirilo, um ítalo-polaco-sérvio se juntou à família


Numa tarde fria de Março, já nos primeiros dias de pandemia aqui na Alemanha, dividia o tempo entre uma reunião desinteressante e anúncios no perigoso Ebay Kleinanzeige – um equivalente ao OLX na Alemanha. Como se eu não tivesse problemas suficientes na vida, eu procurava por um Scirocco para o meu amigo (veja o post anterior – “o carro do pescador”) quando apareceu um anúncio de um pequeno e simpático Fiat 126, da cor laranja. Mandei mensagem para o anunciante, e no dia seguinte fui ver o carro, ainda que movido pela curiosidade ao invés do desejo de fato em aumentar a coleção. 
Este é Cirilo. Um Fiat Polski 126, montado pela Zastava na Iugoslávia. Confuso, né?

Antes de falar da visita ao carro... que carro é um Fiat 126? O Fiat 126 foi o carro que substituiu o Fiat 500, simpático carro popular que – junto com as motos Vespa e Lambretta - ajudou a Itália a ter mobilidade no período pós II Guerra Mundial.  Extremamente simples, pequeno e prático tal qual o Fiat 500, incorporou algumas mudanças importantes como um motor mais potente (de 18 cv no Fiat 500 para 24 cv no Fiat 126), carroceria de estilo mais moderno e maior espaço interno, foi um sucesso ao ser lançado em 1972. E, 1973, a FSM da Polônia fabricou estes mesmos carros sob licença da Fiat até o ano 2000, incorporando ao longo dos anos diversas modificações, sendo o carro popular da Polônia, conhecido por lá como Maluch (“o pequeno”). Outros países também fabricaram o Fiat 126, como Áustria, Espanha (pela SEAT, então estatal), Sérvia (então Iugoslávia) e Austrália, tendo diversos usos e públicos alvos em seus diversos mercados – enquanto na Alemanha e Suíça o Fiat 126 era majoritariamente carros urbanos ou o segundo carro de alguma família, na Polônia, Hungria e Cuba ele foi o primeiro carro de muitas famílias.  

Aí que a história começou a ficar interessante – o carro era um Fiat 126p, portanto de fabricação polonesa. Mas ao ver o carro com mais cuidado, ele era um dos poucos que foram montados pela Zastava na Sérvia, sob licença da Fiat e FSO. O simpático carrinho tem plaqueta da FSM, emblemas Fiat 126p, pecas em grande maioria polonesas... mas o manual de instruções e mais algumas outras pecas eram de fabricação iugoslava, como os cintos de segurança e manuais de proprietário e de revisões (e devem ter mais pecas, mas estas foram as que consegui ver). O carro era de um amigo do vendedor, que o trouxe dirigindo da Sérvia até Munique, mas que o vendera pois comprara outro carro na Alemanha. O preco estava bom, mas algumas coisas complicavam o negócio. Por exemplo, ele ainda tinha matrícula da Sérvia, que não faz parte da Uniao Europeia, dificultando a transferência. Consequentemente, o pequeno Fiat Ítalo-Polaco- Sérvio (ou Iugoslavo) não tinha TÜV (teve somente o pagamento de imposto de importação), o que reservava potenciais surpresas desagradáveis numa inspeção. E como dirigir um carro (e portanto saber como ele está), se ele não poderia trafegar mais na cidade? Fizemos o seguinte acordo: se ele me entregar o carro com TÜV novo e pronto para transferência na Alemanha, eu compraria o carro incluindo os custos para fazer a inspeção. 

Foto do Cirilo, ainda com placas da Sérvia, e na cidade onde "viveu" por muitos anos.

O pequeno e valente motor bicilíndrico refrigerado a ar, de 23 pocotós.

Ainda com as placas da Sérvia

Cirilo, no dia em que o conheci. 

Alguns meses se passaram, a primeira onda de pandemia se agravara e depois diminuiu bastante, e de repente o vendedor me manda uma mensagem: “Luzzio, vou fazer a inspeção do carro agora. Quando podemos nos encontrar?”. O homem não conseguia pronunciar Luciano, mas tinha memória boa o suficiente para se lembrar do acordo. Ao ver o carrinho, tão simpático e então já inspecionado (e aprovado), pensei bem, e começamos a conversar numa proposta – até mesmo porque haviam coisas que foram trocadas que não estavam previstas quando avaliei o carro (por exemplo, o pequeno tanque de combustível, que estava furado). Conversa daqui e dali, uma voltinha no carro, chegamos num acordo e comprei o pequeno veículo. Uma semana depois, fui buscá-lo com os documentos prontos para transferência, mas as placas sérvias mesmo, para levá-lo até onde moro, e posteriormente transferi-lo. 

Cinto de segurança original Zastava, comprovando sua origem de montagem na Sérvia.

O porta-malas é tão pequeno que deveria se chamar porta-bolsa ou porta-lancheira. 

Cirilo no dia em que fui buscá-lo.

O pequeno polaco, doravante denominado Cirilo, me aguardava estacionado numa vaga de Zona Azul com um papel no parabrisas. A boa notícia foi que, com placa da Sérvia, a autoridade de trânsito local não conseguiu lavrar a multa, mas comunicava por aquele papel que o carro tinha que sair de lá em 24 horas. Saquei-o de lá, abasteci 10 litros de gasolina, e segui viagem para Herrsching, percorrendo 29 dos 43 Km com alegria até que... durante o trânsito na estrada, o motor apagou.  Nhéc nhéc nhéc nhéc... nada. No embalo, consegui pará-lo no acostamento e esperei que ele esfriasse um pouco para tentar novamente... nhéc nhéc nhéc nhéc... nhéc nhéc nhéc nhéc... e pronto! Ele ressuscitou cambaleante, mas voltara a andar! Percorri mais 5 Km até um posto de descanso, afim de reabastecer a garrafa d’água para refrigerar a bobina dele. Vinte minutos depois e um pouco menos quente, seguimos até Herrsching, parando apenas na garagem.

O sorriso da Adriana não foi tão efusivo como o meu, mas ainda assim ela se simpatizou com o carro – afinal, o Fiat 126 é tão pequeno que não dá para olhar para ele sem sorrir, ou mesmo rir de seu tamanho e jeito. Graças a uma amiga polonesa, consegui o emblema traseiro “600” que faltava nele, e no mesmo Ebay Kleinanzeige, consegui um rádio polonês para ele (AM, FM e Ondas Curtas), um retrovisor Fiat, e mais algumas peças sobressalentes de ocasião. Como andei pouco com ele, não posso passar números mais precisos, mas posso dizer que ele é perfeito para o uso urbano – ele é ágil, a direção é leve e rápida, e cabe em qualquer lugar, com seus míseros 3,06 m (vejam a foto dele ao lado de um Golf, para ter ideia do tamanho. Ele é 60 cm menor que um VW Up!). O consumo de combustível é bem modesto, por volta de 17 Km/l. Mas a velocidade máxima dele é de teóricos 105 Km/h – cheguei no máximo a 1000 Km/h no velocímetro, e pelo nível de ruído, parecia que iríamos entrar em órbita a qualquer momento. Ele é simpático e suficiente – não tem nada além do que alguém precise para dirigir de A para B, a qualidade de construção dele não é das melhores, mas condiz com a proposta do carro e a necessidade de custo muito baixo. 

E você, caro(a) leitor(a), o que achou? Conte nos comentários. Em breve, colocarei mais um post, com as impressões ao dirigí-lo em comparação com o Willy (o Trabant).  


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