Idéias, pensamentos, desejos... eles sempre povoam nossas mentes, seja sobre o assunto que for. Na minha cabeça, entre diversas delas, era a de um Trabant. A venda da Elke, aquela peruinha azul, foi para mim algo meio mal resolvido, e vez ou outra me pegava pensando em comprar outro Trabi, ou pesquisando anúncios no Ebay Kleinanzeigen. Um dia, o Wartburg deu um problema (novidade, né?!), e comecei a procurar por outro Trabant. Acabei encontrando um ano 1987, cor cinza papiro, num preço bom e boas condições, e num anúncio um tanto discreto. Mandei algumas mensagens e marquei um encontro com a vendedora do carro, na casa dela.
Era um sábado frio e úmido de primavera, eu estava de ressaca, e assim fui lá ver o pequeno alemão do bloco socialista... foi uma grata surpresa. Ele nunca havia sofrido nenhum tipo de serviço pesado, modificação ou dano estrutural, apenas uma leve colisão traseira que amassou o parachoque e uma parte do painel traseiro. Mas a história dele é que me encantou. Este Trabant era da avó da vendedora, que o comprou zero quilômetro em Potsdam, há 40 Km de Berlim, e lá viveu por muitos anos. Após 29 anos de bons serviços e correspondente bons cuidados, a proprietária de 86 anos já não tinha mais condições de dirigí-lo, e a família o colocou a venda. Mostraram-me todos os documentos dele - manuais de proprietário e de manutenção, livrete de concessionárias e de revisões, recortes de jornal sobre Trabant - e também uma caixa com peças e ferramentas da época. Tudo bem íntegro por dentro e por fora, apenas precisando de carinho. Fui para casa, refleti, e depois de uma semana eu voltei lá.
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Livro de reparos, manual do proprietário, livrete de serviços... tudo original do carro. (fotografado já em minha casa) |
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Interior do carro, com estas capas colocadas para proteger os bancos, e os tapetinhos dos tempos em que haviam artificialmente duas Alemanhas. |
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Willy "de costas". Parachoque amassado, uma das poucas coisas a consertar nele. |
Quando ela me mostrou que achou também o extintor de incêndio original do carro, eu tentei me segurar, mas minha mão direita foi mais forte, e estendida, cumprimentei a vendedora em sofrível Alemão ao dizer "Ich kaufe es." ("Eu o compro"), dando a entender que o carro era meu. Fiz a transferência na hora, ganhei uma mesinha da DDR de brinde, e lá fui eu levar o carro para o estacionamento da empresa, para no dia seguinte fazer a inspeção para obtenção da placa histórica. Antes de sair, perguntei à vendedora e à mãe dela (filha e neta da proprietária, que hoje se encontra numa casa de repouso) se o carro tinha nome. Disse que não, mas que o avô dela se chamava Willy... e então como Willy este Trabant foi batizado. Tiramos uma foto juntos, elas tiraram mais algumas outras fotos e se deixaram emocionar com a despedida do carrinho que fez parte da vida delas por três décadas e lhes traziam tantas lembranças.
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Mesinha típica dos início dos anos 70, na Alemanha Oriental. |
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Ulrique (a vendedora, neta da proprietária) e eu, no momento em que ela se despedia de Willy. |
E para contar para a Adriana que eu comprei o carro? Se quando houve a venda da Elke, celebramos com pizza, desta vez fomos a um restaurante indiano "comemorar" a chegada do novo membro da família.
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Estamos felizes, né? |
Foi seguindo aquele papo sobre amenidades, a vida e etc, e puxei a conversa sobre os Trabant... Para ajudar, tive a brilhante ideia de levar guardada no bolso uma miniatura de Trabant que tenho em casa, e contar enquanto almoçávamos. Tomei coragem... peguei a miniatura... e disse que "tinha novidades para contar".
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Mal sabia eu... |
Não posso dizer que a reação foi inesperada, tampouco afirmo ter sido amigável, como mostram as fotos abaixo.
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Ela "adorou" a chegada do "irmãozinho de lata". |
Confesso ter sido um exercício à minha diplomacia e à capacidade de argumentação. De qualquer forma, houve uma comida de rabo conversa amigável.
Ela "gentilmente me questionou" sobre minhas faculdades mentais, meu bom juízo e se mostrou curiosa em saber sobre minhas abordagens para as gestões financeira e de tempo, com dois carros antigos alemães orientais, sendo que um deles vive dando problema.
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Que tal um Trabant num pãozinho? Não pergunte por onde ela queria que eu o comesse... |
Tentei melhorar as coisas ao presenteá-la com a tal mesinha, mas esta foi um paliativo pouco eficaz já que, apesar de bonita, não há espaço adequado para ela em casa. Ao menos um sorvete ajudou a "adoçar" a realidade...
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Animada com o sorvete, e ansiosa para ver Willy. |
Seguindo com a vida, levei-o para a oficina e lá foi feita a revisão de carburador e freios, e fui buscar Willy no dia de aniversário de 30 anos dele, já com as placas históricas. Chegando em casa, convidei a Adriana para levá-lo até o estacionamento, e a rabugice inicial se transformou em simpatia - afinal, tem como não sorrir para um carro tão lúdico e ainda assim guerreiro, considerando os escassos recursos para construir carros na Alemanha Oriental? Seguimos os três - Eu, Adriana e Willy - alegres para o estacionamento, onde ficou guardado, protegido das intempéries e dos curiosos, até chegar a hora de ganhar um trato, e "colorir" com mais frequência as ruas de Berlim ("colorir" é uma licença poética, já que ele é cinza).
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Wartburg 353 e Trabant, juntos por alguns instantes. |
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Nós três no estacionamento. |
E aí, o que achou dele e da história? Comente, compartilhe, e aguarde pois em breve tem mais!
Du Pinho, já passou pela sua cabeça o que seus vizinhos devem pensar de você? Não qeu isso tem alguma importância em nossas vidas, mas aqui agora entre um insônia e outra me pego a pensar nisso após ler seu post, acho qie devem dizer, imaginando uma conversa entre vizinhos chegando juntos pela garagem,..... " Esse brasileiro só deve ser meio louco, vem pra Alemanha onde pode ter os melhores e mais sofisticados carros do mundo e fica comprando essas porcarias" Desculpe pela porcaria, mas acho que deve rolar uma conversa ou ao menos um pensamento desses....de qualquer forma imagino como a Adriana deve ter ficado feliz...Abçs
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