Compartilhando o significado de ter um carro antigo... ou mais de um!

sábado, 22 de julho de 2017

Problemas paranormais do Wartburg 353 - epílogo.

A data de inspeção obrigatória do Wartburg estava próxima de vencer – conhecida pela sigla HU, de “Hauptuntersuchung” (ou “inspeção principal"), e aqui é o seguinte: se a HU venceu, só com guincho. Marcar a nova inspeção já é uma atividade pouco agradável, mas quando se trata de um carro de placa histórica, fica mais complicado. Tentei em duas oficinas, e numa a pessoa desconversou, e na outra o cidadão recusou a fazê-la. Aliás, a única palavra pronunciada foi um seco e irritante “Nêê”, balançando negativamente a cabeça. A única alternativa então foi preparar o carro para ir até a oficina perto do trabalho, há 35 Km de casa. Limpar velas, conferir corrente… e seguir para a estrada.

Em frente ao museu da Stasi, antes de ir à inspeção. 
O carro chegou bem o suficiente para a inspeção, ainda que sem estar perfeito. Preparado para alguma rejeição, pelo menos estava perto da oficina do Dirk, e qualquer coisa poderia ser resolvida por perto. Felizmente, no final do dia recebo o telefonema informando que o carro estava pronto, e passou sem nenhum problema. Mas estava muito fácil… foi só pegar o carro, e depois de 1 Km ele voltou a enfraquecer, engasgar e  pipocar. Para ajudar, ocorreu um fenômeno inusitado – há dias, vinha chovendo em Berlim e região, mas enquanto eu dirigia, cai um pé d’água “daqueles”, como uma daquelas chuvas tropicais, mas durando 40 minutos ininterruptamente. O carro, além de embaçado por dentro, começou a falhar mais forte… e acendeu-se a luz do dínamo. A ignição funcionava agora somente por conta da bateria. Muito rapidamente, o Wartburg foi enfraquecendo, tossindo e se rastejando no meio do trânsito. Falei um par de vezes para ele “seguro até o estacionamento” (do mercado perto de onde estava, há 200 metros), mas ele me respondeu atirando pelo escapamento, e ficou lá, empacado, embaçado, e enguiçado, sem sair do lugar. 
As luzes do pisca alerta (laranja), e a do dínamo (vermelha) no painel.
Saí na chuva para colocar o triângulo do lado de fora sinalizar que ele (de novo) pifara, e abri a tampa do motor – a mangueira de combustível estava solta, mas nada mais parecia óbvio. Recoloquei a mangueira, e bastante molhado, xinguei o carro, fechando com força a tampa do motor e praguejando aquela situação. O carro voltou a funcionar mas estava fraco, quase raquítico, e só consegui dirigí-lo por mais 500 metros, até a um lugar onde pudesse estacioná-lo, trancá-lo e depois ver o que fazer com ele. Estava ensopado, frustrado e puto. Peguei um trem e andei por mais seis quarteirões sob chuva constante até chegar em casa, COM-PLE-TA-MEN-TE molhado.
Minha expressão de felicidade e júbilo, ao estar ensopado com o bilhete do trem para casa. 
Dia seguinte, meu sobrinho (de férias por aqui) e eu fomos lá para tentar ressuscitar o carro e leva-lo para casa. Seguiu-se o mesmo ritual, de limpeza de velas, conferir bobinas (trocamos uma delas), e o carro funcionou, ainda que um tanto fraco; como a luz da bateria ainda estava acesa, o carro foi perdendo potência ao longo do caminho, mas desta vez decidimos parar num estacionamento antes de dar problema. Para variar, chovia muito, e esperamos até a chuva passar para ver se havia algo a fazer… e havia. Cutucamos alguns cabos do dínamo, conferimos os fusíveis e então a luz da bateria se apagou! Felizes, entramos no carro e seguimos para casa e o Wartburg se mostrou mais forte, e dando apenas aqueles tremeliques de antes. Reparei também que, ao acender os faróis, ele enfraquecia, e a luz do dínamo acendeu novamente há cinco quarteirões para chegar em casa, com o carro ficando fraco novamente. Intrigante… e interessante.
Wartburg 353, resgatado no dia seguinte. Entrou água num dos faróis...
... no porta-malas e também dentro do carro. 
Veja escura. Já vimos este filme...
Pesquisando, aprendi que este carro só saiu com ignição eletrônica a partir de 1979, e sempre com alternador… e  este meu Wartburg ainda tem dínamo, já que a ignição eletrônica foi adaptada posteriormente. O alternador faz a mesma função do dínamo, só que muito melhor, pois carrega sempre que há rotação do motor, e tem muito mais potência que o dínamo – este produz só 220W, e o alternador original produz 500W, mais que o dobro. Porcausa disso, ao menos teoricamente, o dínamo fornece pouca eletricidade para abastecer o carro todo, mas ainda assim suficiente para fazê-lo funcionar por algum tempo. As centelhas das velas ficam fracas e o modulo de ignição não funciona direito, explicando os tremores em velocidades constantes e o comportamento de piora progressiva. Conversei com amigos e muitos concordaram com o meu raciocínio que a solução é trocar o dínamo pelo alternador
Mais Ebay, mais pesquisa, mais esperança, e encontrei o conjunto “Alternador + Regulador de Voltagem + cabos” no preço certo. Fui buscar na casa do vendedor, que tem um Wartburg mais novo, além de dois Trabant e um Lada 1500, que me passou uma porção de dicas, em desafio ao meu conhecimento do idioma Alemão. 
Alternador, regulador de voltagem, cabo e suporte, tudo revisado e pronto para instalação.

Com esperança e confiança, lá fui eu para o Wartburg para limpar novamente as velas e realizar o transplante de gerador de eletricidade. Ferramentas, peças, tempo, disposição, tudo lá. Tirei a primeira vela, limpei, coloque de volta… mas coloquei-a errado. Resultado: a rosca espanou, e eu espanei junto. Guardei as ferramentas de volta, subi e fui, desconsolado, beber uma cerveja. 

Mais calmo, no dia seguinte, procurei por um kit de reparo de roscas de cabeçote, achei e encomendei. também assisti a vários videos sobre como fazer a instalação da bucha roscada para o tal reparo, principalmente para aprender os truques necessários para uma melhor instalação. No fim de semana seguinte, com as ferramentas e paciência necessários, fiz o serviço e aproveitei para tirar o dínamo e fazer uma limpeza e troca dos carvões. Vejam as fotos:
Vela e o furo espanado no cabeçote.
O furo espanado

Kit com buchas roscadas e macho (ferramenta para fazer roscas), para reparo de cabeçotes.
Antes de começar a abrir a nova rosca, passei graxa na ferramenta, lubrificando e também segurando os cavacos que poderiam cair dentro do cilindro.
Fazendo a nova rosca. A cada volta e meia, tirava a ferramenta de volta com cuidado, para limpar a ferramenta e tirar os cavacos. 
Ferramenta com cavacos grudados à graxa. O motor não iria gostar de "engolir" esses pequenos pedaços de alumínio.
Bucha instalada, serviço pronto.
O dínamo do carro, como saiu.
Rotor sujo, possivelmente contribuindo para não carregar a bateria.
Rotor limpo, tirando 45 anos de sujeira acumulada.
  
Rolamento do rotor limpo, sem a graxa original de 45 anos. 
Montei de volta o dínamo, já com os carvões adequados, e o instalei no carro. O motor funcionou... e a luz do dínamo no painel continuou acessa. 

Esta luzinha... foi o 'choque de realidade'.
Concluí que chegou a hora do divórcio. Com tantos problemas, consertos, dinheiro gasto e a presença constante de Murphy ao fazer coisas darem errado, parece que não nos acertamos mesmo. Hora de partir para outro, pois o problema não são os Wartburg, mas ESTE carro, do signo de Áries (nascido em 06 de Abril de 1972). 

Eu já andava de olho em um outro carro, mais antigo e mais cansado, mas com uma boa base. Depois de falar com alguns amigos na empresa, encontramos um rapaz que já andava de olho no carro faz tempo, mas nunca falou comigo a respeito. Falei sobre a condição do carro, acertamos o preço, e fechamos negócio; paralelamente, negociei e acertei negócio com o outro carro e finalmente, combinamos a entrega do 'velho novo' e a retirada do Wartburg 353 para hoje, 22 de Julho de 2017. 
O "novo velho" abriu espaço para o "velho novo".
Assim feito, o "velho novo" chegou às 05:00 (sim, cinco horas da manhã) - um Wartburg 311, com inspeção pronta mas documentos a fazer, além de precisar de pequena funilaria e muita pintura. E às 15:00, chegou o novo proprietário do "alemão azul de Áries", junto com seu pai, para levá-lo para a nova fase da vida. 
Foto do anúncio do Wartburg 311, o "fugitivo". 
Nota-se um "belo" amassado no paralamas dianteiro direito. A lateral esquerda também tem um amassado, a ser resolvido. 
Chegada a Berlim, às 05:00 deste sábado, 22/07/2017
"Novo velho" e "Velho novo", na única foto juntos. 12 anos os separam.


Últimas fotos do Wartburg 353 azul, que já foi meu.

Eu, o Wartburg 353 e o Lutz, novo proprietário.
Assim, chega ao fim esta novela. Aprendi várias coisas com este carro - desde mecânica a um pouco mais do idioma Alemão, e também aprendi a ter paciência e reconhecer que, às vezes, é melhor deixar uma relação do que seguir tentando em algo infrutífero. Estou sereno, e acho que ele também, como quem entende que esse é o melhor caminho. O "velho novo" Wartburg 311 pode - teoricamente - dar mais trabalho, mas só o futuro dirá isso. O que sei é que agora, encerra-se uma história para começar outra mais feliz. "Viel Spaß, Frank"!


ATUALIZAÇÃOo Wartburg 353 azul (o "Novo Velho") chegou muito bem à nova casa, em perfeito funcionamento - as palavras na mensagem do Lutz foram "Ja alles super", podendo-se concluir que deu tudo certo. De fato, era uma questão pessoal entre ele e eu.

2 comentários:

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  2. Sensacional! Simplesmente incrível não só a forma como você narra, mas também como ilustra com as fotografias. Genial a foto pelo retrovisor, do "novo velho" abrindo espaço para o "velho novo". Legal os perrengues, da chuva, da rosca espanada, da elétrica falhando. Dos perrengues nascem boas histórias para a vida inteira. Quiçá um livro? Eu compraria com certeza!

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